Psicologia crítica do trabalho na sociedade contemporânea Resumo

Psicologia crítica do trabalho na sociedade contemporânea Resumo

Mesa de abertura

A Mesa de abertura do Seminário Nacional Psicologia Crítica do Trabalho na Sociedade Contemporânea contou com a participação de Humberto Verona, Presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP)¹, Rogério Oliveira, Presidente do Conselho Regional de Psicologia da 4ª Região – Minas Gerais², e Fernanda Lou Sans Magano, Presidente da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi)³, que discutiram a relação da Psicologia com o mundo do trabalho a partir de diferentes perspectivas institucionais⁴.

Humberto Verona destacou que o evento é resultado de uma discussão coletiva do Sistema Conselhos de Psicologia e é o 13º evento nacional realizado naquele ano⁴. Ele ressaltou que cada evento nacional gera um documento para que psicólogos e a sociedade acompanhem os debates sobre temas importantes para a vida das pessoas no país⁴. Verona afirmou que o trabalho do psicólogo, como o de qualquer outro trabalhador, exige reflexão crítica e que a Psicologia, com seu arcabouço teórico, tem muito a contribuir para o mundo do trabalho⁷. Ele considerou que o seminário acerta ao ampliar o olhar para pensar no psicólogo trabalhador e em suas condições de trabalho⁷. Mencionou o orgulho do Sistema Conselhos por participar da retomada do movimento sindical, na qual depositam grande esperança¹. Para Verona, a Psicologia como ciência deve contribuir para todos os trabalhadores, não apenas no Brasil, mas também na América Latina e no mundo, pois há muitos problemas em comum, citando um grupo na Ulapsi preocupado com a questão do trabalho na América Latina¹. Ele apostou que o seminário enriqueceria esse debate¹.

Rogério Oliveira, falando em nome do CRP-MG, expressou satisfação por participar desta etapa de construção política, democrática e coletiva da profissão⁵. Ele se apresentou como porta-voz de um projeto ético-político que visa garantir uma política na qual o cidadão se sinta representado e respeitado, entendendo o trabalho como aspecto central dessa política⁵. Oliveira enfatizou o esforço para discutir e respeitar o trabalho do psicólogo como cidadão comprometido com uma sociedade mais justa e inclusiva⁵. Apontou a necessidade de uma regulamentação ampliada que inclua as condições de trabalho e o respeito ao profissional e ao atendido, buscando o reconhecimento social do serviço e do profissional⁸. Ele mencionou que, desde o 6º Congresso Nacional de Psicologia em 2007, os psicólogos reivindicam ação conjunta do Sistema Conselhos, Sindicatos e Fenapsi para temas como piso salarial, jornada de trabalho e planos de carreira, conforme expresso na Tese 43². Para o CRP-MG, ações isoladas não obtiveram resultados satisfatórios, e é crucial refletir sobre os impactos das relações e condições de trabalho dos psicólogos em seu compromisso com um modelo de sociedade inclusiva, no exercício profissional e na ética⁹. Oliveira sentiu a obrigação de trazer para o centro do debate a centralidade do trabalho na vida humana¹⁰. Argumentou que a análise da centralidade do trabalho na profissão deve partir da vida dos próprios psicólogos, e que um projeto ético-político não deve descartar os sujeitos que compõem o coletivo em favor de uma falsa questão epistemológica, que foca na escolha teórica em vez do compromisso com a transformação social pelo trabalho¹⁰. Ele defendeu que o projeto é ético, balizado pela ética, e não pela orientação teórica¹¹. Finalizou expressando o desejo de ouvir sobre o papel do psicólogo, as condições necessárias para sua atuação e o papel das instituições representativas, frisando a necessidade de colocar as condições e relações de trabalho dos psicólogos no centro da discussão para evitar um debate meramente ideológico e epistemológico, descolado do trabalho legítimo da profissão⁶.

Fernanda Lou Sans Magano, presidente da Fenapsi, destacou a importância de discutir a Psicologia Crítica do Trabalho no contexto contemporâneo e a parceria fortalecida entre a Fenapsi e os Conselhos de Psicologia⁶. Essa relação foi apontada desde 2007 no VI Congresso Nacional de Psicologia, que demandou um movimento sindical mais organizado e fortalecido⁶. Essa mobilização levou a um congresso da Fenapsi com participação expressiva, com 16 estados já tendo sindicatos organizados¹². O objetivo é que a Fenapsi retome seu papel de buscar garantias mínimas de condições de trabalho, organização e processos negociais, além de ser referência para uma formação de qualidade que aponte para modelos de intervenção além dos tradicionais³. Ela mencionou a necessidade de expandir o olhar para novas áreas de atuação e a relação da Psicologia com as políticas públicas, especialmente Saúde, Previdência e Assistência, onde a maioria dos psicólogos atua¹³. Ressaltou que Conselho System e Fenapsi têm papéis institucionais distintos, mas complementares¹⁴. Magano expressou a esperança de que o seminário traga uma visão da Psicologia Crítica do Trabalho relacionada ao contexto socioeconômico e ao futuro do Brasil, enfatizando o papel da Psicologia no cuidado com a população e a tarefa da Fenapsi de representar os trabalhadores psicólogos¹⁵. Apontou problemas urgentes como a falta de uma jornada nacional de trabalho para psicólogos e a baixa remuneração, onde o psicólogo é “vilipendiado”¹⁶. Também mencionou a necessidade de se organizar contra o “Ato Médico”¹⁷.

Palestra de abertura

As palestras de abertura contaram com a participação de Marcio Pochmann e Leny Sato, que abordaram diferentes aspectos da categoria trabalho na sociedade contemporânea¹.

Marcio Pochmann²:

  • Iniciou sua fala destacando o momento atual como uma oportunidade para construir uma história diferente no mundo do trabalho². Ele reconhece que muitos especialistas têm uma visão negativa das transformações em curso, mas propõe abordar a questão buscando uma perspectiva que favoreça o ser humano².
  • Aponta para três elementos de mudança³, com ênfase no aumento da expectativa de vida, que se aproxima dos cem anos, em contraste com a média de 34 anos cem anos atrás³.
  • Essa mudança demográfica impacta a posição da mulher, cujo papel tradicionalmente centrado na reprodução e tarefas domésticas (na época em que vivia em média 34 anos e poderia ter 15 a 20 filhos) limitava o trabalho fora de casa³. O mercado de trabalho era predominantemente masculino³.
  • Contrasta o trabalho material (predominante até o século passado, que resulta em algo físico, concreto e tangível, como na agricultura, construção ou indústria)⁴ com o trabalho imaterial, que predomina na sociedade pós-industrial no setor de serviços⁵. O trabalho imaterial não resulta em algo palpável e pode ser realizado em qualquer lugar ou horário⁵.
  • A sociedade do trabalho imaterial está desconectada dos padrões de proteção⁷, pois acidentes de trabalho só são reconhecidos se ocorrerem no local de trabalho físico⁷.
  • O principal ativo na sociedade pós-industrial/do conhecimento é a educação e o conhecimento⁷. A universidade passa a ser a base para entrar na sociedade, não o fim, e a falta dela leva à exclusão⁸. A educação é necessária para a vida toda⁸.
  • Questiona por que as pessoas ingressam cedo no mercado de trabalho, argumentando que não há razão para entrar antes dos 25 anos⁸. Critica a desigualdade no Brasil, onde filhos de ricos entram mais tarde, após se qualificarem, enquanto filhos de pobres entram cedo e ocupam os piores postos⁹.
  • Menciona a contenção do espaço público em favor do privado (como shopping centers)¹⁰.
  • A própria noção de casa mudou; hoje são maiores, mas abrigam menos pessoas e funcionam como “depósitos” de bens de consumo, em contraste com o passado onde eram espaços de reprodução, sociabilidade e educação para muitas pessoas¹¹.
  • Considera a sociedade atual insustentável do ponto de vista ambiental¹².
  • Afirma que o único impedimento para transformar a sociedade em prol da humanidade é o medo, que sufoca a ousadia e a criatividade¹³.

Leny Sato¹⁴:

  • Sua apresentação foca na relação da Psicologia com o mundo do trabalho e das organizações, identificando duas perspectivas históricas¹³.
  • A primeira vertente, conhecida como “a” Psicologia do Trabalho e das Organizações, surgiu a convite da administração e engenharia (desde o início do século XX) para responder a demandas gerenciais, focando na gestão de recursos humanos¹³. Esta perspectiva, que se firmou com o uso de instrumentos como testes psicológicos para seleção, tornou-se hegemônica¹⁵. Apesar de metamorfoses na linguagem e práticas (como assessoria a gestores), os objetivos e a concepção fundamental não mudaram¹⁶.
  • A segunda vertente, a Saúde do Trabalhador, tem como objeto os problemas humanos no trabalho e é informada pela Psicologia Social e medicina social latino-americana¹³. Essa abordagem, que começou a se delinear com o ressurgimento do movimento sindical¹⁸, considera o trabalho (como processo) central para a compreensão do processo saúde-doença, vendo-o como histórico¹⁹. Ela busca dialogar com trabalhadores e suas representações¹⁹.
  • Destaca a importância do modelo operário italiano, que valoriza o conhecimento do trabalhador, possibilitando o diálogo entre Saúde do Trabalhador e Psicologia Social¹⁹. Isso abre caminhos para a intervenção baseada na realidade do trabalho²⁰.
  • A “Psicologia do Trabalho não escrita”²¹, referida por Oddone et al., representa o universo ignorado pela Psicologia tradicional, que foi condicionada pela luta de classes e natureza de classe do desenvolvimento científico²¹.
  • Leny Sato analisa a relação entre as duas vertentes através da noção de campo de Bourdieu, caracterizadas por diferentes leituras da realidade, objetos e interlocutores (com atores sociais antagônicos), refletindo uma luta por posições no campo científico²².
  • Argumenta que a vertente hegemônica (gestão de recursos humanos) tenta manter seu privilégio utilizando a noção de “Qualidade de Vida no Trabalho” para conciliar e descaracterizar as diferenças²³. Esta noção tende a focar na saúde individual como “recurso” para a produção e na adaptação do trabalhador, o que difere radicalmente da perspectiva da Saúde do Trabalhador²³.
  • Conclui que a incorporação dos olhares da Psicologia Social e da Saúde do Trabalhador permite construir objetos que tematizam os problemas sociais e humanos no trabalho, documentando a “Psicologia não escrita”²⁴.

Em suma, as palestras de abertura contextualizaram o tema do seminário, abordando as profundas transformações no mundo do trabalho, a transição do trabalho material para o imaterial, as desigualdades sociais e os desafios da educação e da proteção social na sociedade contemporânea, além de apresentar as diferentes perspectivas dentro da própria Psicologia sobre o trabalho, desde a tradicional gestão de recursos humanos até a abordagem crítica da Saúde do Trabalhador, e a luta pela hegemonia entre elas².

 

O trabalho do profissional psicólogo: construindo uma posição crítica

A Mesa “O trabalho do profissional psicólogo: construindo uma posição crítica” contou com as participações de Vanessa Andrade de Barros e Marcus Vinícius de Oliveira, que discutiram a necessidade de uma abordagem crítica sobre o trabalho do psicólogo e a relação da Psicologia com o mundo do trabalho em geral.
Aqui está um resumo das contribuições de cada palestrante nesta mesa:

Vanessa Andrade de Barros:

  • Iniciou destacando a relevância do tema e a participação de psicólogos em eventos como a Jornada Franco-Luso de Ergologia, demonstrando uma crescente preocupação com as questões do trabalho real e a busca por aprofundamento e discussões interdisciplinares¹.
  • Critica abordagens da Psicologia que tratam o trabalho como mero apêndice, desconhecendo o ponto de vista do trabalhador². Aponta que essas perspectivas são herdeiras da suposição de que o trabalhador é incapaz de pensar o que faz, sendo apenas um executor de normas³.
  • Enfatiza a contribuição da Ergonomia, Ergologia e da Psicologia Materialista para entender a distância entre o trabalho prescrito (normas, procedimentos) e o trabalho real (como o trabalhador efetivamente lida com as variações e problemas não previstos)². O saber fazer do trabalhador é central para compreender a subjetividade, o desenvolvimento, a saúde e o adoecimento².
  • Defende a importância de metodologias como as Comunidades Científicas Ampliadas (Ivar Oddone) e o Dispositivo Dinâmico a Três Polos (Yves Schwartz), que promovem a participação direta dos trabalhadores como coautores do conhecimento produzido⁵. Menciona uma experiência concreta nesse sentido, o projeto “Conexões de Saberes sobre o Trabalho”⁵.
  • Relaciona o trabalho à saúde, destacando que, se o trabalho não promove saúde, é preciso investigar o que impede o poder de agir do trabalhador na organização do trabalho⁸. Cita o exemplo de uma costureira que adoecia por ser impedida de exercer seu saber fazer e o desejo de trabalhar com qualidade devido às exigências de produtividade, ilustrando como a organização do trabalho, e não o trabalhador, pode ser a fonte do sofrimento⁸.
  • Para construir uma posição crítica, o psicólogo deve criticar as prescrições, desconstruir o poder prescritivo e compreender o trabalho real a partir do saber dos trabalhadores¹⁰. Cita Yves Schwartz (“É preciso ir ver de perto como cada um não apenas se submete, ‘mas vive e tenta recriar sua situação de trabalho'”) e Canguilhem (“compreender o trabalho para transformá-lo”)¹¹.

Marcus Vinícius de Oliveira:

  • Posiciona-se como representante da militância política associada ao projeto ético-político do Sistema Conselhos de Psicologia, conhecido como “compromisso social da Psicologia”¹².
  • Explica que o objetivo desse projeto foi romper com o caráter elitista da Psicologia brasileira, buscando dialogar com as necessidades reais da população e expandir a atuação profissional¹³.
  • Destaca o sucesso dessa expansão, especialmente na inserção de psicólogos em políticas públicas como o SUS e o SUAS/CRAS, o que gerou um aumento significativo da empregabilidade na categoria, mesmo em um contexto de “fim do emprego”¹⁵.
  • Argumenta que o projeto de compromisso social demandava uma reflexão crítica sobre o trabalho¹⁷. Critica a hegemonia da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) tradicional, que considera acrítica em relação ao caráter dominado, explorado e alienado do trabalho, por estar alinhada aos interesses de gestão e lucratividade¹⁷.
  • Defende a necessidade de a Psicologia aprofundar sua reflexão sobre a categoria trabalho, que é fundamental para a existência humana e estrutura a sociedade¹⁷. O trabalho não é apenas produção, mas também identidade e base para as relações sociais¹⁹. Isso exige um salto crítico para ir além dos interesses de gestão do trabalho explorado²⁰.
  • Aborda o trabalho do próprio psicólogo, mencionando que o Sistema Conselhos considera as condições de trabalho dos psicólogos importantes para a qualidade do serviço²¹. No entanto, defende que a primazia na defesa das condições de trabalho é do movimento sindical, embora o Sistema Conselhos atue em parceria²¹.
  • Pontua que a categoria trabalho não deve ser monopólio da POT²². É relevante para todas as áreas da Psicologia (clínica, escolar, etc.), pois atravessa a vida das pessoas, suas angústias e sofrimentos²³. Muitos psicólogos clínicos não exploram a dimensão do trabalho com seus pacientes²⁴.
  • Afirma que a abordagem hegemônica do trabalho na graduação (via POT) é restrita e reduzida, desconsiderando o trabalho como fenômeno ontológico e fundamental para a subjetividade e dinâmicas sociais²². Propõe ampliar a leitura da categoria trabalho para toda a Psicologia, sem romper a POT²².
  • Menciona a necessidade de uma formação que inclua o debate crítico sobre o trabalho e a Saúde do Trabalhador, indo além de uma única disciplina de POT²⁵.
  • Conclui que já existe uma Psicologia Crítica do Trabalho “em si”, e o desafio é que ela se torne “para si”, auto-organizada e compreendendo seu potencial como chave analítica fundamental para qualquer psicólogo entender o mundo e a realidade brasileira²⁶. É preciso conhecer as complexas dinâmicas de trabalho do povo brasileiro, especialmente os mais pobres²⁷.

Saúde do trabalhador: dignidade e qualidade de vida no mundo do trabalho

A 5ª Mesa do Seminário, intitulada “Saúde do trabalhador: dignidade e qualidade de vida no mundo do trabalho”, contou com as participações de Wanderley Codo, Álvaro Roberto Crespo Merlo e Maria da Graça Corrêa Jacques¹. Esta mesa aprofundou a discussão sobre as implicações do trabalho na saúde mental e física dos trabalhadores, contrastando diferentes abordagens psicológicas sobre o tema.

Vanessa Andrade de Barros:

  • Iniciou destacando a relevância do tema e a participação de psicólogos em eventos como a Jornada Franco-Luso de Ergologia, demonstrando uma crescente preocupação com as questões do trabalho real e a busca por aprofundamento e discussões interdisciplinares¹.
  • Critica abordagens da Psicologia que tratam o trabalho como mero apêndice, desconhecendo o ponto de vista do trabalhador². Aponta que essas perspectivas são herdeiras da suposição de que o trabalhador é incapaz de pensar o que faz, sendo apenas um executor de normas³.
  • Enfatiza a contribuição da Ergonomia, Ergologia e da Psicologia Materialista para entender a distância entre o trabalho prescrito (normas, procedimentos) e o trabalho real (como o trabalhador efetivamente lida com as variações e problemas não previstos)². O saber fazer do trabalhador é central para compreender a subjetividade, o desenvolvimento, a saúde e o adoecimento².
  • Defende a importância de metodologias como as Comunidades Científicas Ampliadas (Ivar Oddone) e o Dispositivo Dinâmico a Três Polos (Yves Schwartz), que promovem a participação direta dos trabalhadores como coautores do conhecimento produzido⁵. Menciona uma experiência concreta nesse sentido, o projeto “Conexões de Saberes sobre o Trabalho”⁵.
  • Relaciona o trabalho à saúde, destacando que, se o trabalho não promove saúde, é preciso investigar o que impede o poder de agir do trabalhador na organização do trabalho⁸. Cita o exemplo de uma costureira que adoecia por ser impedida de exercer seu saber fazer e o desejo de trabalhar com qualidade devido às exigências de produtividade, ilustrando como a organização do trabalho, e não o trabalhador, pode ser a fonte do sofrimento⁸.
  • Para construir uma posição crítica, o psicólogo deve criticar as prescrições, desconstruir o poder prescritivo e compreender o trabalho real a partir do saber dos trabalhadores¹⁰. Cita Yves Schwartz (“É preciso ir ver de perto como cada um não apenas se submete, ‘mas vive e tenta recriar sua situação de trabalho'”) e Canguilhem (“compreender o trabalho para transformá-lo”)¹¹.

Marcus Vinícius de Oliveira:

  • Posiciona-se como representante da militância política associada ao projeto ético-político do Sistema Conselhos de Psicologia, conhecido como “compromisso social da Psicologia”¹².
  • Explica que o objetivo desse projeto foi romper com o caráter elitista da Psicologia brasileira, buscando dialogar com as necessidades reais da população e expandir a atuação profissional¹³.
  • Destaca o sucesso dessa expansão, especialmente na inserção de psicólogos em políticas públicas como o SUS e o SUAS/CRAS, o que gerou um aumento significativo da empregabilidade na categoria, mesmo em um contexto de “fim do emprego”¹⁵.
  • Argumenta que o projeto de compromisso social demandava uma reflexão crítica sobre o trabalho¹⁷. Critica a hegemonia da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) tradicional, que considera acrítica em relação ao caráter dominado, explorado e alienado do trabalho, por estar alinhada aos interesses de gestão e lucratividade¹⁷.
  • Defende a necessidade de a Psicologia aprofundar sua reflexão sobre a categoria trabalho, que é fundamental para a existência humana e estrutura a sociedade¹⁷. O trabalho não é apenas produção, mas também identidade e base para as relações sociais¹⁹. Isso exige um salto crítico para ir além dos interesses de gestão do trabalho explorado²⁰.
  • Aborda o trabalho do próprio psicólogo, mencionando que o Sistema Conselhos considera as condições de trabalho dos psicólogos importantes para a qualidade do serviço²¹. No entanto, defende que a primazia na defesa das condições de trabalho é do movimento sindical, embora o Sistema Conselhos atue em parceria²¹.
  • Pontua que a categoria trabalho não deve ser monopólio da POT²². É relevante para todas as áreas da Psicologia (clínica, escolar, etc.), pois atravessa a vida das pessoas, suas angústias e sofrimentos²³. Muitos psicólogos clínicos não exploram a dimensão do trabalho com seus pacientes²⁴.
  • Afirma que a abordagem hegemônica do trabalho na graduação (via POT) é restrita e reduzida, desconsiderando o trabalho como fenômeno ontológico e fundamental para a subjetividade e dinâmicas sociais²². Propõe ampliar a leitura da categoria trabalho para toda a Psicologia, sem romper a POT²².
  • Menciona a necessidade de uma formação que inclua o debate crítico sobre o trabalho e a Saúde do Trabalhador, indo além de uma única disciplina de POT²⁵.
  • Conclui que já existe uma Psicologia Crítica do Trabalho “em si”, e o desafio é que ela se torne “para si”, auto-organizada e compreendendo seu potencial como chave analítica fundamental para qualquer psicólogo entender o mundo e a realidade brasileira²⁶. É preciso conhecer as complexas dinâmicas de trabalho do povo brasileiro, especialmente os mais pobres²⁷.

Crise, trabalho e sociedade: economia solidária como uma perspectiva para a humanidade

A 6ª Mesa do seminário, intitulada “Crise, trabalho e sociedade: economia solidária como uma perspectiva para a humanidade”, contou com as palestras de Odair Furtado, José Newton Garcia de Araújo e Cláudia Rejane de Lima¹. O debate centrou-se na relação entre a Psicologia do Trabalho, a economia solidária e o contexto socioeconômico contemporâneo².

Aqui está um resumo das contribuições de cada palestrante:

Odair Furtado:

  • Começou reconhecendo a complexidade de abordar a Psicologia do Trabalho e a economia solidária juntas².
  • Explicou que as bases econômicas e sociais estão ligadas à reprodução das relações de produção e à produção de bens, organizando o mundo do trabalho³.
  • Discutiu um processo simbólico que se descola das bases materiais, mediado pela linguagem, gerando sentido e significado e induzindo alienação e consciência fragmentada⁴. Este processo justifica o cotidiano e naturaliza a separação entre produção e trabalho, a pobreza, a iniquidade e as diferenças sociais, explicando-as por mérito individual e não por relações de produção⁴.
  • Situou o movimento da economia solidária neste contexto⁶, destacando que ele se opõe ao capitalismo, mas convive com sua estrutura⁶.
  • Apontou que a economia solidária oferece uma saída para o grande contingente de pessoas que compõem o “exército de reserva” da mão de obra (mais de 20 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza), assumindo uma tarefa que o capitalismo brasileiro negligenciou historicamente⁶.
  • Mencionou as dificuldades práticas em experiências como fábricas ocupadas, levantando questões sobre contratação (sócios vs. empregados), remuneração (lucro vs. pró-labore) e tomada de decisão (assembleia vs. diretoria), indicando a necessidade de uma teoria de administração alternativa⁸.
  • Afirmou que a Psicologia do Trabalho (ou das Organizações) é demandada para enfrentar estes problemas, mas precisa ir além dos modelos capitalistas hegemônicos, pensando a organização e o trabalho de forma integrada⁹.
  • Destacou o papel das cooperativas populares, apoiadas por incubadoras, como forma de inclusão produtiva para populações vulneráveis, abordando o bolsão de miséria criado pela urbanização⁷.
  • Apontou o desafio de alterar os valores e crenças para que os grupos acreditem nos princípios solidários, o que depende de ação concreta e bases materiais¹⁰.
  • Enfatizou a necessidade de políticas públicas para a economia solidária escalar e resolver o problema de milhões de pessoas¹¹.
  • Respondeu à questão se a economia solidária é subemprego, dizendo que é tanto a forja de alternativas quanto a solução de problemas imediatos¹².
  • Citou exemplos de sucesso, como cooperativas de catadores de material reciclado, que proporcionam renda e resgatam a cidadania¹³.
  • Concluiu que a Psicologia Crítica do Trabalho está equipada para pensar essas dinâmicas complexas¹⁴.

José Newton Garcia de Araújo:

  • Iniciou criticando os programas de Qualidade de Vida no Trabalho, vendo-os frequentemente como falácias gerenciais que não impedem acidentes, adoecimentos e mortes no trabalho¹⁵. Sugeriu que esses problemas são estruturalmente “programados” pelos interesses do capital¹⁵.
  • Relacionou a discussão ao individualismo contemporâneo, que pode gerar indiferença a temas como economia solidária e criticou a exaltação gerencial do “empreendedorismo” que culpabiliza o desempregado¹⁶.
  • Utilizou as ideias de Robert Castel para falar sobre o “indivíduo-excesso” (hipertrofiado pelo consumo/sociedade salarial) e o “indivíduo-carência” (desempregado, sem direitos), o “desfiliado social”¹⁸. Propôs que a economia solidária pode ser uma resposta a essas “perversões”¹⁸.
  • Reafirmou o valor do indivíduo dentro da economia solidária, discutindo a noção de “propriedade” em três dimensões (Castel & Haroche): privada, social e de si¹⁸.
  • Aprofundou na propriedade social como um “equivalente da propriedade para os não proprietários”, construído através de sistemas de proteção social (previdência, serviços públicos)²⁰. Este suporte material e social permite ao indivíduo manter uma segurança mínima e cultivar a “propriedade de si”, mesmo sem propriedade privada tradicional, e não deve ser confundido com assistencialismo²⁰.
  • Discutiu a noção de autogestão, reconhecendo seu fundamento político, mas apontando dificuldades na prática (mesclas com autoritarismo, como em algumas práticas sindicais)²². Questionou a viabilidade da autogestão plena em uma sociedade heterogerida²².
  • Discutiu a noção de solidariedade, desmistificando-a como apenas caridade ou apoio entre desfavorecidos, e apontando que ela também existe entre grupos de poder para perpetuar seus privilégios²³.
  • Mencionou a necessidade de que os empreendimentos solidários, como as associações de catadores, mantenham padrões técnicos de produtividade para sobreviver como alternativa, mas sem reproduzir a lógica capitalista²⁴. O objetivo é gerar produtos sociais, como a “reciclagem de lixo e a reciclagem de pessoas”²⁴. Devem se inserir e contrapor-se ao mercado²⁵.
  • Identificou uma tensão entre o coletivo e o interesse individual na economia solidária, onde a baixa remuneração pode levar à alta rotatividade²⁵.
  • Reiterou a centralidade do trabalho para a existência humana, contrastando com a lógica capitalista que busca eliminar o elemento humano na produção, pois o capital visa a expropriação do trabalho e das “propriedades” do trabalhador²⁶.
  • Concluiu que a economia solidária, embora estruturalmente marginal, não se opõe à existência do indivíduo e pode contribuir para um equilíbrio entre as três propriedades discutidas por Castel²⁷.

Cláudia Rejane de Lima:

  • Citou Paul Singer como a principal referência nacional em economia solidária²⁸.
  • Definiu economia solidária como um modo de produção baseado na igualdade, caracterizado por atividades coletivas (produção, comercialização, crédito) com autogestão, posse coletiva dos meios de produção e gestão democrática²⁸.
  • Apontou o paradoxo: enquanto para empregadores as cooperativas podem ser mecanismo de precarização do trabalho, transformando relações desiguais em aparentes relações de iguais²⁹, para trabalhadores, elas são uma alternativa de sobrevivência, ressocialização e reconstrução de identidade, especialmente para aqueles descartados pela reestruturação produtiva³⁰.
  • Destacou o papel de diversos atores sociais no apoio à economia solidária, como instituições religiosas (Caritas) e universidades (Rede Unitrabalho, incubadoras)³¹.
  • Mencionou a institucionalização da economia solidária como política pública com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária no governo Lula³¹.
  • Reconheceu o debate se a economia solidária representa manutenção ou ruptura do modo de produção atual³².
  • Citando Gaiger, afirmou que os empreendimentos solidários modificam princípios e fins econômicos e as relações entre os indivíduos no trabalho³². Essa é a perspectiva estratégica de construção de um novo campo de práticas sociais³².
  • Ressaltou que a economia solidária permite restituir ao trabalhador a condição de sujeito e resgatar a solidariedade em sua acepção genuína (de classe), recuperando o prazer de construir e fazer juntos³³.
  • Listou desafios:
    • O engajamento dos trabalhadores em projetos coletivos, difícil em uma sociedade individualista, onde alternativas individuais são mais comuns³⁴. Psicólogos e incubadoras auxiliam nisso³⁴.
    • Superar a visão de “economia de pobre para pobre” e garantir a sustentabilidade econômica, o que exige melhorar acesso a crédito, técnicas e comercialização³⁵.
    • Avançar na regulamentação legal para assegurar direitos mínimos aos trabalhadores de empreendimentos solidários, que atualmente carecem de proteção básica por serem tratados como autônomos³⁶.
    • Compatibilizar aspectos técnicos/organizacionais com os princípios da autogestão, superando a herança dos modelos hegemônicos capitalistas, mas garantindo a produtividade³⁶.

Psicologia crítica do trabalho na sociedade contemporânea Completo

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Publicação Criada em: maio 5, 2025
Atualizado em: maio 5, 2025 12:18 pm

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